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APRESENTAÇÕES
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MATHEUS JOSÉ DA COSTA:
DO DESDIZER DO DESENHO AO DESPUDOR DA COR

 

A primeira vez em que vi trabalhos pictóricos de Matheus José da Costa - o mais árabe dos não-árabes do Brasil - nas paredes de um antigo claustro, do hoje Instituto de Artes da UNESP, no bairro do Ipiranga, nesta São Paulo de Piratininga, então, estranhamente aluno de Educação Artística-Artes Plásticas (antes, havia feito curso na Escola Panamericana de Arte) disse-lhe tratar-se de uma mostra de coisas horríveis. Sim: "Seus trabalhos são horríveis!", disse-lhe. Um misto de espanto e serenidade, de par com uma certa satisfação acometeram o seu semblante. De fato, eram trabalhos figurativos de uma força incrível, força esta que advinha do desdesenho e da despintura e dos destratos de temas que criavam um feio notório e notável. Aquilo tudo adentrava o campo do admirável. De lá para cá, seu trabalho foi ficando cada vez mais surpreendente, com grandes formatos: a ficção pintada. Mundo da representação? A não-verossimilhança. A criação de um universo menos referencial, mais auto-referente. A verdade do próprio complexo sígnico pictural e gráfico.   .Mais feracidade que a das feras fauve-expressionistas. Feracidade que traz todo o peso da história dos últimos duzentos e poucos anos ou,  mesmo, de antes - desde os mais radicais cometimentos grafo-picturais de Goya, passando por Daumier e Toulouse-Lautrec, Ensor, Munch, Kandinski, Matisse, Picasso, de mistura com os quadrinhos, filmes, Anselm Kieffer e  manifestações mais populares-urbanas, até Basquiat e, daí, de volta às pinturas rupestres - que o artista recebe, tendo (talvez) plena consciência da coisa [nos seus 24 anos como terráqueo, embora terráqueo es (des) colado] e isto vai de par com projetos alternativos-utopias arquivados, como a dos hippies etc.   .A cor em Matheus fala grita vocifera berra. O desenho se desdiz - desdesenho - e fala de outras possibilidades, sem correspondência entre os existentes, mas com estes mantendo um fio frágil, fragilíssimo, diria. Uma arte figurativa não-mimética: uma leitura do mundo… segundo Matheus. Peças de uma fatura visceral, disse uma outra fera (leonina).   .Detritos, sobras, resíduos da civilização ajudam a compor a cena. A Urbe - megalópole antropófaga - deixa as suas marcas. Das telas e painéis de madeira, para os muros - se for o caso - a arte de Matheus José da Costa não decora nem descora. Não adentra o universo do bom-tom. Joga pesado. Coloca-se, impõe-se como realidade autônoma. No entanto, dialoga com uma tradição de feras-ferozes do passado e da atualidade. Um cachorro para ele é um cão e um cão para ele é nada menos que Cérbero. Muros, quadrinhos, cine trash-terror. A cultura de massa revisitada, mirada com a lente erudita de quem sabe do ofício de desenhista-pintor (Matheus,  tem ambição artística) e sabe o quanto é difícil pintar hoje: um desafio. Desafio que ele aceita e se desincumbe com grandeza.   .Em Matheus, o desenho se corporifica simultaneamente à distribuição das cores sobre a superfície-suporte ou se impõe na pré e pós-colorização. A academia passou por aqui e foi recusada, mesmo num tempo em que já ocorreu a volta à pintura (ao verso, à melodia…). Fica, nesse seu trabalho, o espaço para a experimentação. Tão jovem e já forte, firmando-se, não como estilo, porém como fazedor (contumaz que é). Matheus José da Costa se encontra num caminho que só conduzirá a grandezas criativas num tempo a vir - próximo e/ou distante. Outsider? Sim, sem o gênero que se sôme ao currículo. Um marginal? Sim. Produz à margem dos gostos e dos mercados. Exposições em casa da Xiclet, de modo inusitado, como a bolha da fição, as pinturas invadiam tudo: paredes, portas, obstruíam janelas… Nem Schic nem Kitsch. KITSCHIC?! Corporificações grafo-cromáticas em que o gesto fala alto. Grita. Vocifera. Reverbera! Desdém do desenho: desdiz para redizer como que (re-) inaugurando um modo. A cor ele a comete sem pudor, adentrando as raias do impossível. Trilhando, com a consciência de, caminhos do tempo da infância, Matheus José da Costa, paulistano nascido em 02 de abril de  1979, trata com maturidade a arte de ler-o-mundo (carneiro feito fera). E como o lê!   .Vejo, nos trabalhos de Matheus, índices de uma grandeza que virá - com certeza - no futuro, tendo tido a necessária maturação: coroamento de um trabalho já muito bom, boníssimo, porém, em franca evolução, abrindo-se, inclusive para novos meios-linguagens. Está entregue ao público a primeira fase de um artista-pintor (um produtor de linguagem) que promete acontecer. XAIPE! Omar Khouri São Paulo nov 2003

 

 

 


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