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HISTÓRIA
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SÃO PAULO. FUTURO. FUTURISMO.

 

Lembro-me que, lá pelo ano de 1959, numa aula no Grupo Escolar "Olavo Bilac", tendo feito um desenho não figurativo, algo multifacetado e colorido, a profesora - Dona Nancy Manso - olhou com admiração e disse: "É um desenho futurista". Aquilo ficou em minha cabeça e percebi depois que, no Brasil, dentre os de um certo repertório, Futurismo era praticamente sinônimo de Modernismo e não simplesmente uma escola, uma tendência de origem italiana que teve larga influência no Mundo e que, entre outras coisas, fazia o elogio da máquina, do progresso, tendo como uma de suas palavras-chave VELOCIDADE. Além disso, tirei uma lição para a minha vida de professor: nunca reprimir o aluno que está desenhando em aula (ao que juntei, depois: deixe dormir aquele que tem sono). Bem, o Futurismo nasceu com T. F. Marinetti, ao publicar no jornal LE FIGARO, em Paris, o seu famoso manifesto que, não sendo o primeiro manifesto artístico/poético, teve, no entanto, larga influência sobre todos os manifestos que vieram depois. Em Paris, porque publicar em órgão da imprensa de lá, era publicar para o mundo (como seria publicar, hoje, no NEW YORK TIMES). Mas era para a Itália que ele se dirigia, visando à situação daquele país, que, no momento (1909) estava atrasado com relação a outros países europeus. O país de Garibaldi se apresentava de norte a sul como um museu, infestado de professores e cicerones, contra o que se deveria lutar. E Marinetti brada contra tudo isso. O Futurismo, diferentemente de outros movimentos que foram batizados à revelia e pejorativamente, escolheu o próprio nome. O rico e agitado Marinetti (1876-1944) italiano nascido no Egito, deitaria enorme influência, muito embora sua posterior opção por ideologia de direita - o Fascismo de Mussolini - tivesse empanado um pouco o seu brilho e prejudicado o seu julgamento como poeta e agitador cultural, precursor de tanto que se viu depois de suas famosas investidas e as de seus companheiros. O Futurismo atingiu tudo: da poesia às artes visuais, ao teatro, happenings, música (Luigi Russolo propôs um "rumorismo" que antecipou muita coisa, inclusive um certo John Cage). Todo o elogio do progresso, da máquina e de multidões agitadas nos grandes centros, reverberaria no Brasil e em especial na cidade de São Paulo e não à toa. Não só São Paulo havia recebido um grande número de imigrantes italianos, que já possuíam até filhos nascidos no Brasil, jovens e adultos, mas, principalmente a partir da segunda década do século XX, a riqueza que começou a namorar São Paulo no século XIX (graças ao café) e que tendeu a aumentar cada vez mais, começa a se mesclar de indústria e crescimento urbano acelerado. Então, toda aquela apologia do progresso, da máquina, da velocidade, mais a maneira como Marinetti expôs o seu programa para a poesia, encontrou aqui terreno fertilíssimo. O Modernismo no Brasil, diferentemente daquelas histórias que dão importância muito grande a uma tal transição - que até chegou a existir - desembarcou na base da paulada, chutes e pontapés, com o expressionismo de Anita Malfatti. Já tínhamos pinceladas de Futurismo e a terceira grande influência veio a ser a do Cubismo, com Tarsila e outros, nos anos 20. Bem, o futurismo aportou cedo no Brasil: no mesmo ano em que saiu o manifesto de fundação do movimento, o mesmo é traduzido e publicado em jornal da Bahia. porém seria São Paulo o lugar para sua frutificação, mesmo que, pouco depois, modernistas como Mário de Andrade, se empenhassem em se livrar da pecha de futurista. No editorial de KLAXON - primeira revista modernista do Brasil, editada em São Paulo 1922-23 - o grupo modernista propõe-se a construir - diferentemente da destruição da tradição, apregoada por Marinetti - e diz textualmente: Klaxon não é futurista. Klaxon é klaxista (valendo a negação e o trocadilho). Marinetti chegou a estar em São Paulo e houve quem evitasse de se encontrar com ele para não cair em "malentendidos"! Interessante é que o trabalho mais belo e consistente que conheço sobre VELOCIDADE, é o poema do então jovem concretista (1957) Ronaldo Azeredo, carioca residente em São Paulo: uma obra prima. O VELOCIDADE, de Ronaldo, responde magistralmente a um apelo futurista e o Futurismo foi uma das muitas influências recebidas e reconhecidas pelos poetas do Concretismo. Da arte italiana do começo do século XX, o MAC-USP (Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo) possui duas obras-primas (duas das peças de escultura mais importantes de todos os tempos e em âmbito mundial) justamente do Futurismo, do seu mais importante artista plástico: Umberto Boccioni (1882-1916): "Formas únicas de continuidade no espaço", de 1913 e "Desenvolvimento de uma garrafa no espaço", de 1912. De ambas, as matrizes em gesso e cópias em bronze. Doações de Francisco Matarazzo Sobrinho. Isto faz de São Paulo, uma referência obrigatória em termos de Arte e arte do Futurismo. Quando leio o famoso manifesto de 1909, não consigo deixar de pensar o que diria Marinetti hoje, estando em São Paulo, se se encontrasse na 25 de Março, em pleno dia de semana (trabalho), na Ladeira Porto Geral, na General Carneiro, na Direita, na Estação Sé do Metro às seis da tarde! Como não pensar no trecho do manifesto que evoca as multidões agitadas pelo trabalho etc? São Paulo, com seu crescimento desenfreado, estando sempre num "por enquanto", "nunca fica pronta" e encarna, como nenhuma outra, uma dinânica - mesmo que não tão desejável - quase sem par neste nosso mundo. OMAR KHOURI

 



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