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HUMANOS SERES
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MAUD PIRES ARRUDA

            

 

            Talvez que ela não se lembre, mas eu a conheci antes mesmo de ser seu aluno - por muitos anos - no IEDAP: passava com a cabeça protegida do Sol por uma toalha - voltando da natação no Parque Clube - a qual fazia as vezes de um tarbuch, componente do vestuário árabe típico e ela me chamava da varanda do casal Poli, onde conversava, e me falava coisas bonitas, como se fala a uma criança, no mínimo curiosa. Também, de tanto ouvir alunos seus que eram de minha família. Ainda, de apresentações teatrais inesquecíveis, peças de Maria Clara Machado, como "Pluft, o fantasminha", no palco do Cine São Salvador e "A bruxinha que era boa", no salão nobre do IEDAP (não me lembro se, em fins dos anos 50, já possuía esse nome). Teatro de fantoches, coro falado, exposições anuais de quadros pintados por seus alunos normalistas (eram mais ALUNAS, mais de 95%). Anos depois, cheguei a fazer um dos papéis principais - o do Burro - na peça por ela dirigida: "O Boi e o Burro a caminho de Belém", da mesma Maria Clara Machado, apresentada na Sede Cristo-Rei.
            Bem, mas vamos ao que mais interessa. A excepcional professora que foi Dona Maud, numa época em que as escolas estaduais eram as melhores, as mais fortes, as que possibilitavam um mais elevado repertório a seus alunos e ainda mais os Institutos, como era o caso da que ela acumulava duas cadeiras: a de Desenho e a de Desenho Pedagógico. Seu alto repertório específico e a amplitude dos seus conhecimentos faziam com que ela pudesse transitar pelas mais diversas das Artes, do Desenho à  Música, da Arquitetura à Poesia, da Pintura ao Teatro e ao Cinema. Sabia o que era um Michelangelo e um Matisse, um Vivaldi e um Stravinsky, Camões e Bandeira, Shakespeare e Suassuna, Chaplin e Fellini. Seus conhecimentos permitiam comentários pertinentes, como os de alguém que sabe o que diz: tanto era capaz - como sempre fazia - de analisar a estrutura composicional de um quadro como de citar e tocar ao piano alguma peça de compositor famoso. Ia do comentário sobre a atuação de uma certa atriz num dado filme à encenação - dirigindo - de algum texto teatral, principalmente infantil, que era o público a que mais visava. O que havia de mais surpreendente no dia-a-dia de suas aulas eram as análises que fazia das tarefas artísticas que determinava: todos os cadernos eram expostos na frente da sala (tendo por suporte o aparador de giz do quadro) e ela comentava um a um!
            Nos anos 60 ela trouxe dezenas de filmes 16 mm, principalmente versando sobre arte; lembro-me de que os de procedência holandesa eram os que mais me entusiasmavam: daquele que tratou exclusivamente de Rembrandt ao que trouxe a obra de Appel. Muito do que vim a desenvolver mais tarde, descobri nas aulas de Dona Maud. Minha inclinação para as Artes Plásticas encontrou muito incentivo de sua parte.
            Como desenhista e pintora, parece-me que preferiu renunciar a uma carreira individual em prol do Ensino, o que fez dela uma das melhores professoras que este nosso país já conheceu. Sempre aberta às novas tecnologias de então, recebeu de braços abertos a reforma, a partir dos 70, que pedia um professor polivalente no ensino das Artes, ao invés de um para Música, outro para as Artes Plásticas; isto porque ela possuía um repertório incomum e já antecipara de muitos anos o que muitos pensavam ser novidade. Suas qualidades, porém, eram raras e, portanto, não estavam presentes em mais de 90% dos professores da área disponíveis na Rede. Mas esta é uma outra história.
             No ano de 1974, ano fundamental em minha vida de artista gráfico/poeta, pois passava de pintor a fazedor intersemiótico, ela me estimulou a criação, entregando-me a reprodução em xerox de uma sua fotografia, ao que respondi fazendo um soneto visual, um dos meus trabalhos sempre citados pelos aficionados do tipo de poesia que eu faço.
            Sempre em atividade, mil atividades ( assistência social, pedagógica, religiosa), Dona Maud intensificou, após sua aposentadoria como professora, a atividade de escritora-cronista e, há cerca de três décadas, tem brindado semanalmente os pirajuienses com seus textos.
            Para mim, é impossível estudar Arte, coisa que faço praticamente todo dia, sem que me venham à mente aquelas bases que adquiri em suas aulas. Sempre que posso, estando em Pirajuí, eu a visito e me sinto um privilegiado por ser recebido por ela. OMAR KHOURI

 


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