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POESIA
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POESIA EM TODOS OS LUGARES: OS DITOS POPULARES/PROVÉRBIOS

             

            A poesia está em toda parte. A ocorrência da Função Poética, digamos. E daí, voltamos a falar do genial lingüista Roman Jakobson, que apresentou o último e mais perfeito modelo comunicacional e de funções da linguagem, modelo este em que a Função Poética é apresentada como resultante da paradigmatização do sintagma, ou seja, em poesia se observa a prevalência da forma, já que em tal processo de comunicação verbal o pendor se dá para o fator mensagem. Mensagem entendida como a coisa em sua materialidade. A combinação está na dependência das escolhas vocabulares: estas é que deterninam o arranjo. Vejamos: "As horas pela alameda/arrastam vestes de seda/vestes de seda sonhada/pela alameda alongada/sob o azular do luar"… (Fernando Pessoa). O texto de Jakobson em questão é o "Lingüística e poética", um dos melhores já escritos sobre Poética, desde Aristóteles.
            Assim como outras funções da linguagem podem comparecer no poema - além da função poética - esta não será exclusividade do poema mas poderá se configurar nos mais diferentes lugares, obedecendo às exigências dos que estão envolvidos no processo de comunicação: de slogans a provérbios, passando pela fala cotidiana (o professor para a aluna: UMA FALTA NADA AFETA!). …"a análise do verso é inteiramente da competência da Poética, e esta pode ser definida como aquela parte da Lingüística que trata a função poética em sua relação com as demais funções da linguagem. A Poética, no sentido mais lato da palavra, se ocupa da função poética não apenas na poesia, onde tal função se sobrepõe às  outras funções da linguagem, mas também fora da poesia, quando alguma outra função se sobreponha à função poética".
            O fato de Jakobson proceder à análise séria de slogan político fez com que alguns eruditos-incautos, não compreendendo bem a teoria, a ele se referissem com desdém. Acontece que Jakobson não colocou o bem elaborado slogan como poesia pura, mas apenas e tão-somente como exemplo do poético fora do território do poema. É claro que quem desejar poesia como a alta manifestação do verbal que é, deverá procurá-la nos poemas: de Safo a Bandeira, passando por Arnaut Daniel e chegando a Augusto de Campos.
            Poesia em alto estilo encontramos em canções populares (território desprezado pela maior parte dos músicos eruditos, sob a desculpa de que se trata de diluição de estruturas mais complexas): de Vinícius de Morais a Dona Ivone Lara, sem falar em Chico Buarque e Caetano Veloso. Três exemplos, a seguir:
1. TU PISAVAS (N)OS ASTROS, DISTRAÍDA, de Orestes Barbosa, que Manuel Bandeira considerava um dos versos mais belos da língua portuguesa.
2. POIS HÁ MENOS PEIXINHOS A NADAR NO MAR
    DO QUE OS BEIJINHOS QUE EU DAREI NA SUA BOCA, de Vinicius de Morais e aí já é covardia, tendo sido Vinicius um poeta verdadeiro e assumido (famoso entre os eruditos, com um ouvido extraordinário e domínio incomum - mesmo entre poetas - da tradição, mesmo antes de ficar célebre como parceiro de Antônio Carlos Jobim e ter feito algumas das mais belas e famosas letras de composições pré-bossa-nova e bossa-nova).
3. NO MEU CÉU A ESTRELA-GUIA SE PERDEU, de Dona Ivone Lara, texto que deixou Décio Pignatari maravilhado, o mesmo Décio que havia desconstruído o slogan da coca-cola, sem introduzir uma única letra diferente, criando um anti-anúncio, posteriormente musicado por Gilberto Mendes (Décio viu em COCA-COLA a palavra CLOACA!).
            O poético em slogans (BEBA COCA COLA, em que a tradução literal ficou melhor que o original em inglês, O MUNDO GIRA A LUSITANA RODA:  um decassílabo sáfico perfeito, com direito a trocadilho e QUEM TEM FALA BEM, com ambigüidade que só favorece o produto, entre outros recursos da arte da palavra) e ditos populares: sedução e memorização rápida é o que explica aí a utilização de recursos ditos "poéticos".
            Os ditos são portadores de alguma sabedoria e, funcionando como armas certeiras dos mais velhos - que sempre aguardam a ocasião propícia para utilizá-las - provocam a ira ou a indiferença dos mais novos, pois, conservadores que são, costumam cortar o barato e mesmo castrar os muito jovens.
            Originais de uma realidade idiomática ou traduções de outros idiomas, os ditos, provérbios, adágios vão sendo trabalhados por gerações e gerações, até resultarem em algo lapidar: têm de calar fundo nos destinatários e fazer com que os memorizem instantaneamente.
            Trago, agora alguns dos ditos que tenho ouvido ao longo de minha existência e até repetido como exemplo e/ou como ameaça. É óbvio que escolhi aqueles em que a função poética presente venha a ser algo notório e até notável:
a. COMER E COÇAR É SÓ COMEÇAR
b. QUEM PODE PODE, QUEM NÃO PODE SE SACODE
c. QUEM CONTA UM CONTO AUMENTA UM PONTO
d. DEIXA ESTAR JACARÉ, A LAGOA HÁ DE SECAR!
e. O PORCO ENGORDA COM O OLHO DO DONO
f. FALAR É FÁCIL, O DIFÍCIL É FAZER
g. CASA DE FERREIRO : ESPETO DE PAU
h. REI MORTO : REI POSTO
i. FALAR É PRATA : CALAR É OURO
j. EM BOCA FECHADA NÃO ENTRA MOSQUITO
l. DEUS AJUDA QUEM CEDO MADRUGA
m. FAÇA O QUE EU DIGO E NÃO FAÇA O QUE EU FAÇO
n. POR FORA BELA VIOLA, POR DENTRO PÃO BOLORENTO
o. QUEM TEM PRESSA COME CRU
p. FICA O DITO POR NÃO DITO
q. QUEM TUDO QUER NADA TEM
r. NADA COMO UM DIA APÓS O OUTRO
s. TUDO O QUE VEM FÁCIL VAI FÁCIL
t. FECHE A BOCA E ABRA A BOLSA
u. SE É FÁCIL, FAÇA!
            A pesquisa seria interminável. Inclusive há alguns que são interessantes por fazerem uso de vulgaridades, do baixo-calão e até de recursos que provocam o riso (MERDA: QUANTO MAIS  MEXE,  MAIS FEDE, entre outros tantos). Na Internet há sites que cuidam do assunto: cheguei a navegar por eles, porém, a pesquisa para este texto já estava feita e com vistas à questão do poético. Paremos por aqui, que a dose já é por demais sufocante. Todos os ditos acima citados são lapidares quanto à forma, pois trazem consigo, além de um ritmo que os torna agradáveis (são eurrítmicos), trocadilhos (paronomásias), aliterações, assonâncias, rimas. Temos entre,  os mesmos, versos tetrassílabos, pentassílabos, heptassílabos, decassílabos, dodecassílabos. Qualquer um deles daria uma bela análise, sendo que alguns possuem até variantes menos perfeitas.
            Como ficou dito, semanticamente, os ditos/provérbios sempre trazem algo que encerra uma certa sabedoria, ao mesmo tempo em que são portadores de algo tremendamente conservador. Porém, nem sempre. Você, paciente leitor, deverá estar se lembrando de muitos dos ditos ouvidos ao longo de sua vida. Acrescente-os aos por mim citados. Afinal, repertório, quanto mais elevado, melhor será… e SABER NUNCA É DEMAIS.

OMAR KHOURI

 

 


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