apreciações críticas
apresentações
arte e educação
arte etc
cultura popular
comunicação
estética
fotografia
galeria de fotos
glossário
história
historinhas de poetas
humanos seres
livros
manifestos
memória
música
paideuma
pintura
poesia
poesia: aproxime-se
polêmica
registros
revistas de invenção
semiótica
tradução


POESIA
nomuque.net

UM SONETO DE CAMÕES

             

            O soneto, nos seus muitos séculos de existência (nasceu no complexo cultural itálico, na Baixa Idade Média e seu nome vem do provençal sonet, que significa "sonzinho", "cançãozinha") é a forma fixa de maior sucesso dentro da lírica ocidental. Em Portugal, foi introduzido por Francisco de Sá de Miranda, depois de ter viajado para a Itália, na primeira metade do século XVI. Com Camoões, no mesmo século, o soneto português alcança nível estratosférico, ou seja, vai além daquilo que poderíamos chamar de excelência. Não se sabe exatamente quantos sonetos Camões deixou (este poeta, que nos bancos de escola é lembrado principalmente por ser autor do épico Os Lusíadas, foi um grande lírico; além dos sonetos, deixou outros tipos de composição, com peças admiráveis). Talvez, com certeza, uns cento e cinqüenta, talvez um pouco mais... É muitíssimo difícil fazer uma seleção de dez, por exemplo. Porém as seleções são necessárias, constituindo-se num desafio para o crítico.
Hoje trago apenas um, do qual gosto muito e quereria que fosse lido com o máximo de atenção:

                 Quem vê, Senhora, claro e manifesto
                 o lindo ser de vossos olhos belos,
                 se não perder a vista só com vê-los,
                 já não paga o que deve a vosso gesto.

                 Este me parecia preço honesto;
                 mas eu, por de vantagem merecê-los,
                 dei mais a vida e alma por querê-los,
                 donde já me não fica mais de resto.

                 Assi que a vida e alma e esperança
                 e tudo quanto tenho, tudo é vosso,
                 e o proveito disso eu só o levo.

                 Porque é tamanha bem-aventurança
                 o dar-vos quanto tenho e quanto posso,
                 que, quanto mais vos pago, mais vos devo.

            Bem, esse é um soneto do tipo italiano: formam-no duas quadras e dois tercetos. Os versos são decassílabos (de acordo com o nosso sistema) e obedece ao seguinte esquema de rimas: abba/abba/cde/cde (isto considerando apenas as rimas consoantes. Aí, há a ocorrência de rimas toantes). Como em todo o soneto que se preza, nas quadras é lançada uma questão, é criada uma tensão, que encontra uma resolução, nos tercetos. O tema é fundamentalmente o da beleza de uma mulher, cuja contemplação não tem preço. Mas, diga-me o leitor: de que cor são seus olhos? Para facilitar, releia este verso: o lindo ser de vosso olhos belos.
            Ainda não deu para ter certeza? Então veja:

                 o lindo SER DE VOSSOS olhos belos
              o lindo sER DE VossoS olhos belos
               SER DE VOSSOS = VERDES!

            Alguém poderia dizer que isto é forçar a barra e eu diria que não: 1º porque a coisa está expressa no poema, embora camuflada; 2º Camões é considerado em olhos e claros; 3º a cor VERDE para olhos é recorrente na lírica camoniana.
            Com isso tudo quero dizer que há leituras e leituras de poemas e que doravante, para utilizar uma expressão que quase ninguém mais usa, o paciente leitor tenha um pouco mais de cuidado com as leituras que vier a fazer.

OMAR KHOURI

 

 


Os textos presentes neste site estão protegidos por direitos autorais. A utilização é livre desde que devidamente referenciada a fonte.